Melhorar a vida das pessoas com base em dados, é um dos nossos principais objetivos no SAS. É neste sentido, que uma das categorias dos Curiosity Data Science Iberian Awards, que organizámos este ano pela primeira vez em conjunto com a SPAIN IA e a Data Science Portuguese Association (DSPA), dedicou-se à iniciativa Data4Good.
Leid Zejnilovic, Professor na NOVA School of Business and Economics em Lisboa e engenheiro de telecomunicações com um duplo doutoramento em Evolução Tecnológica e Empreendedorismo, foi o vencedor nesta categoria. Com mais de duas décadas de experiência na indústria tecnológica, é também Presidente e co-fundador da Fundação Data Science for Social Good e dedicou parte da sua carreira a trabalhar para melhorar os cuidados aos pacientes no setor da Saúde.
Na primeira edição do SAS Iberia Curiosity Awards, foi galardoado na categoria Data4Good. Pode explicar-nos em que consiste o seu projeto?
Trata-se de um projeto que visa identificar doentes com elevado risco de desenvolver nefropatia diabética. De acordo com dados do Observatório Nacional Português de Diabetes, uma em cada quatro pessoas com diabetes desenvolverá esta condição de forma crónica, o que significa a redução da capacidade do fluxo sanguíneo poder ser filtrado pelo rim e implica uma perda significativa da qualidade de vida dos pacientes. Com cuidados prévios e adequados, há uma oportunidade de retardar a progressão da nefropatia diabética, pelo que a deteção precoce é crucial para a Associação Portuguesa de Diabetes, parceira e impulsionadora deste projeto. O objetivo desta organização era o de determinar se a ciência dos dados podia avaliar o risco e identificar melhor os indivíduos de alto risco e tivemos assim a sorte de nos podermos juntar a este projeto.
Internamente, definimos três fases para este projeto. A primeira é a modelagem, que consiste em desenvolver um algorítmico que prevê o risco de pacientes com diabetes tipo 2, poderem desenvolver doenças renais crónicas num horizonte de 3-5 anos. A segunda etapa seria pôr o modelo em prática, ou seja, integrar os resultados do modelo no processo de tomada de decisão médica. E, finalmente, teríamos um desenvolvimento de capacidades, o que implica que a instituição parceira estaria fortemente envolvida no processo e, como resultado, fica melhor preparada para desenvolver e implementar projetos de Data Science. Encontramo-nos atualmente na segunda fase deste projecto.
"Uma solução possível para o problema da expansão dos serviços de saúde é investir em tecnologias que incrementem / facilitem o acesso dos pacientes e promovam a sua autonomia. O paciente participaria ativamente na recolha e análise responsável de dados e tornar-se-ia parte do processo de tomada de decisões relacionadas com a sua saúde.”
O seu projecto tem um enquadramento no setor da saúde. Conseguimos ver como a inovação e a tecnologia têm vindo a ganhar importância nesta indústria. Como pode a ciência dos dados ajudar a melhorar os cuidados prestados aos pacientes?
Se considerarmos os cuidados ao paciente como um conjunto de ações que contribuem para a prevenção, tratamento e gestão de um distúrbio de saúde, a ciência dos dados oferece uma grande variedade de oportunidades de melhoria em todas as fases do processo. Consideremos, por exemplo, o caso que descrevemos do uso da ciência dos dados para prevenir o agravamento de uma doença. A sua utilização poderia ser alargada à monitorização e treino activo, sugerindo tratamentos ou atividades personalizadas ao médico ou diretamente ao paciente, e tudo isto considerando respostas genéticas e pessoais a diferentes estímulos ambientais.
Embora todos estejamos conscientes do problema de capacidade de expansão dos serviços de saúde, este tornou-se particularmente evidente durante a pandemia. Uma solução possível para o futuro seria investir em tecnologias que melhorem o acesso dos doentes aos prestadores de cuidados e fomentem a sua autonomia. Neste cenário, o paciente estaria ativamente envolvido na recolha e análise responsável dos seus dados e tornar-se-ia parte do processo de tomada de decisão relacionado com a sua saúde. A ciência dos dados é aqui uma parte instrumental e que permite alcançar um sistema socioeconómico que permite capacidade de expansão, melhor alcance, aprendizagem e, acima de tudo, um nível sem precedentes de capacitação do paciente.
Data4Good
Data4Good é uma iniciativa que dá grande importância à finalidade para a qual os dados são utilizados. Qual considera ser o potencial da inteligência artificial e dos dados para fins sociais? Data4Good é uma grande iniciativa que responde aos esforços de uma comunidade para impulsionar a utilização de dados com o intuitode melhorar a vida das pessoas. Partilhamos a crença de que a IA pode ajudar a nossa sociedade a tornar-se melhor. Se pensarmos no seu potencial e no que tem sido feito até agora, a realidade é que ainda há um longo caminho a percorrer.
Para mim, o benefício mais importante da IA é a oportunidade de redesenhar a prestação de serviços a partir do zero para a tornar mais significativa. Por exemplo, estou muito entusiasmado com as possibilidades que oferece a classificação europeia de capacidades/competências, qualificações e profissões (ESCO) na a gestão do emprego e desenvolvimento de aptidões. Parte de uma ontologia multilingue e de uma recolha responsável de dados, oferecendo benefícios a todas as partes interessadas. Pode, desta forma, ajudar os decisores políticos a identificar e agir em caso de desajustamentos entre a oferta e a procura de competências, ajudar os cidadãos a planear a sua aprendizagem e ajudar as instituições educativas a adaptar a sua oferta de formação.
Nesta conversa, abordámos apenas duas áreas de interesse humano, de entre muitas, que podem ser positivamente impactadas pela IA. Isto reforça a afirmação das possibilidades praticamente ilimitadas que nos permitem melhorar a nossa vida utilizando a IA.
Os SAS Iberia Curiosity Awards foram criados para reconhecer a curiosidade dos profissionais de IA e da ciência dos dados. Que influência teve a curiosidade na sua carreira e na sua vida?
A curiosidade é o ingrediente essencial do progresso, na medida em que motiva as pessoas a desafiar o status quo e enriquece as nossas vidas. Não sou excepção, e o facto de ter optado por trabalhar no meio académico é muito significativo. A aprendizagem e a experimentação são o melhor ingrediente para a curiosidade, e o mundo académico é um bom campo de jogo. Descobrir porque é que algo é como parece e como pode ser melhorado, motiva-me a continuar a pesquisar e a pensar em novos projetos de impacto, mesmo quando nem tudo é cor-de-rosa. É preciso ter curiosidade para estar no meio académico.
“O campo da ciência dos dados oferece opções tanto para pessoas orientadas para benefícios económicos como para as que procuram um impacto social, além de ser uma ocupação que provavelmente será muito procurada nas próximas décadas”.
O que significa para si este reconhecimento a nível pessoal e professional?
Trata-se do reconhecimento do trabalho de toda uma equipa, dos membros da Associação Portuguesa de Diabetes e do Centro de Conhecimento de Ciência de Dados. O objetivo da nossa investigação era o de encontrar uma solução para um problema de grande impacto e submetemos a nossa candidatura graças a um dos membros da equipa, a Lénia, que nos convenceu da importância de partilhar também informações sobre o nosso trabalho. O prémio foi uma surpresa para todos nós e deixou-nos muito felizes a nível pessoal. Profissionalmente, é um impulso para continuar a trabalhar em projetos relacionados com a ciência dos dados.
O que diria a alguém que está a considerar entrar no campo da ciência dos dados?
Se alguém está a considerar, isso significa que já tem alguma aspiração ou interesse neste campo, por isso eu encorajá-los-ia a fazê-lo. Embora seja verdade que são necessários conhecimentos de matemática, programação e estatística para compreender os conceitos, se estes estiverem enferrujados ou forem insuficientes, existem muitas fontes de conhecimento gratuitas e facilmente acessíveis que podem ajudar no desenvolvimento de competências ao ritmo de cada um.
A boa notícia é que o campo da ciência dos dados oferece opções tanto para indivíduos orientados para o lucro como para aqueles que procuram impacto social, e é uma ocupação que provavelmente será muito procurada nas próximas décadas. O pior cenário possível é poder-se descobrir que esse campo não é o mais adequado e inclusive nesse caso, os conhecimentos adquiridos podem ser muito valiosos para ter êxito noutros âmbitos profissionais.